quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Conto: O Leitor de Mentes.

Mais um conto para os que gostam de ler, e mais um post grande e cheio de besteiras para quem odeia ler.


                                                          O Leitor de Mentes

Acidentes de trânsito sempre foram muito frequentes em Paulínia, ainda mais nos últimos anos em que o número de habitantes já estava consideravelmente grande. Daniel Cardoso só queria voltar para a casa mais cedo, mas ele estava dentro do ônibus que havia capotado, matando cerca de 25 pessoas naquela noite. Daniel foi um dos 3 sobreviventes da tragédia.

Clique em continue lendo para ver o resto do conto.

Ele não escapou ileso, muito pelo contrário; Daniel ficara internado na UTI por muitos meses, oscilando entre a vida e a morte, com o seu corpo totalmente fraturo, com sua cabeça amassada e face beirando o irreconhecível. Os médicos não sabiam como ficaria o estado mental do paciente caso ele conseguisse sair vivo do hospital, pois o seu crânio estava severamente lesionado, o que poderia acarretar na perda de partes da sua memória ou inabilitar completamente a forma da qual ele compreendia o mundo.
Tempos se passaram, até que finalmente Daniel recebeu alta. Doutor Roberto, o cirurgião plástico que cuidou da reestruturação da face de Cardoso e do implante da sua prótese mecânica no braço direito, alertou-o antes que o mesmo pudesse deixar o Hospital Municipal:
– Não se esqueça de voltar aqui periodicamente, Sr. Daniel. Como os médicos já lhe avisaram, as lesões no seu cérebro poderão acarretar pequenos desmaios e até mesmo alucinações, então você precisa de um acompanhamento mais rigoroso daqui para frente.
– Eu vou ficar bem doutor, não se preocupe – disse Daniel, aos sorrisos. – Logo logo marcarei o retorno, agora eu só quero saber de ver a minha família novamente.
Daniel não quis falar aos médicos, e também se optasse por falar provavelmente ninguém acreditaria, mas a verdade é que ele podia ouvir as vozes de outras pessoas na sua cabeça. Mais do que isso, ele podia ler o pensamento delas. Desde quando ele havia recuperado a consciência, tal dom já mostrava sinais de atividade, e Daniel ouvira todos os pensamentos dos médicos da Unidade de Tratamento Intensivo.
Eu achava que ele não tinha mais jeito, só estava cuidando dele pelo meu salário.
É uma pena que um rapaz tão jovem tenha que sofrer tanto...
Odeio o meu trabalho, odeio a minha vida. Queria eu estar no lugar desse moço.
Os pensamentos ecoavam em sua mente, e soavam tão claros quanto uma conversa normal. Daniel achava que aquele acidente foi a melhor coisa que lhe ocorrera em seus vinte e poucos anos de vida. Ele não ligava para seu braço mecânico, para a sua cabeça amassada como uma bola de papel e nem tão pouco para seu rosto, que mesmo sendo refeito da melhor maneira possível, soava como uma máscara de halloween sobreposta sobre a sua expressão. Ele tinha o poder de ler a mente das pessoas, e era só isso com que ele precisava se preocupar.
O hospital ia aos poucos desaparecendo atrás de Daniel. As pessoas passavam às pressas pela calçada, todos com seus problemas e pensamentos sobrecarregados, mas mesmo assim o Leitor de Mentes conseguia separar cada palavra dos pensares, não perdendo detalhe algum, não lhe causando nenhuma confusão mental.
Após a extensa caminhada entre o hospital e a casa de seus pais, Daniel finalmente chegara ao seu destino. Sua família já havia sido informada sobre a alta que o rapaz havia recebido, então resolveram reunir alguns parentes para recebe-lo.
Daniel então abriu a porta e foi surpreendido por sua mãe:
– Ó meu filho! Eu senti tanto a tua falta! – disse a Dona Eliza, aos prantos.
– Eu também senti a sua falta, mãe. – falou Daniel, abraçando a mãe.
– Ei, meu rapaz. – disse Seu Antônio, se aproximando para cumprimentar o filho – Como vão as coisas?
Vão bem, pai. Tirando o fato de que eu terei que me acostumar a trocar o óleo disto aqui – Daniel mostrou então o seu seu braço mecânico. – Está tudo... normal.
A sala estava cheia de pensamentos, tanto positivo quanto negativos. A família Cardoso inteira foi cumprimentar o Daniel, e ele tinha na mente todos os discursos prontos que os familiares usariam com o Leitor de Mentes. Aquilo era surpreendentemente assustador, mas ao mesmo tempo era tudo tão magnífico. Naquela sala, havia um pensamento que despertara a curiosidade de Daniel, um pensamento sombrio e obscuro que vinha lá do fundo da sala. Aquele pensamento era de Marcelo, um amigo de infância de Daniel.
Matar... Matar...
O pensamento ficava mais nítido, a medida que Daniel se aproximava de Marcelo.
Matar... eu quero matar.
Daniel mesmo assustado, foi saudado pelo amigo.
– Grande Daniel! Vejo que eu me saí melhor do que você no acidente. – brincou Marcelo sobre as fraturas do amigo – Eu só sai do hospital com um certo trauma de ônibus e uma porção de raiva de motoristas bêbados.
Eu vou mutilar todos eles, um à um.
O rapaz do braço mecânico tentava absorver aquele pensamento... será que o seu amigo de infância, o mesmo que também estava presente naquele acidente, havia virado um assassino?
– Me desculpe Daniel, mas agora eu tenho que ir – falou Marcelo, dando um tapinha nas costas do amigo – Eu tenho um compromisso inadiável.
Eu tenho que deixar todos dilacerados. – Espere Marcelo, você não pode..
Daniel foi pego de surpresa por uma zonzeira repentina. Tudo ia ficando escuro, ele estava perdendo suas forças, tudo à sua volta estava se tornando penumbra. Daniel apagou, e só acordou em seu apartamento.
– Droga... a minha cabeça dói – resmungou Daniel, vasculhando alguma possível lesão entre os cabelos, só encontrando a deformação causada pelo acidente.
A televisão da sala estava ligada, e a notícia de um assassinato brutal estava sendo anunciada.
O 'retalhador' fez mais uma vítima. É assim que os habitantes têm chamado o cruel assassino de motoristas de ônibus, que está causando pânico em todos pontos rodoviários. O 'retalhador' usa diversas lâminas e corta o coração de suas vítimas, causando uma morte praticamente instantânea. Ainda não há nenhuma pista de quem o assassino seja.

– Maldito seja! Eu tenho que impedir isso, eu ganhei essa habilidade estranha de ler mentes, e isso foi por algum bom motivo!
Daniel se levantou-se e se arrumou às pressas. Ele tinha que ir na delegacia, denunciar um velho conhecido. Ao sair de casa, evitou o ônibus e preferiu ir de táxi. Em 5 minutos, lá estava ele em frente à Delegacia Municipal.
Ao entrar lá, Daniel logo se pronunciou:
– Eu preciso falar com a delegada, e
agora. Isto é urgente.
A delegada Sandra estava sozinha, arrumando as papeleiras burocráticas. Ela olhou para Daniel assustada, e perguntou:
– Quem é você? Por que exige tanta urgência em falar comigo?
– Eu sou Daniel Cardoso, e sei a verdadeira identidade do retalhador. – respondeu.
– Daniel... Cardoso? Bem Daniel, como você conseguiria tal informação? Você viu o assassino? – questionou a delegada.
– Não. Pode lhe parecer estranho, mas... eu leio os pensamentos das pessoas, e eu li o pensamento do assassino. Eu o conheço.
– Mas isso é impossível, senhor Daniel. – disse a delegada, com tom de incrédula.
– Eu posso provar. – disse Daniel, confiante. – Pense em uma cor e em um número, respectivamente.
Sandra pensou por poucos segundos, e Daniel já veio com a resposta.
– Preto, 19. Acertei?
– Essa não... você... você está certo! – falou a delegada, com uma enorme expressão de espanto. – Mas Daniel, você está ciente do que está dizendo? Esta é uma acusação seríssima!
– Sim, eu tenho certeza. – afirmou o rapaz – Eu posso chamar ele no meu apartamento, criar uma armadilha.
– Tudo bem então. – concordou a delegada – Só me diga o seu endereço e o nome do suspeito.
– Rua Alberto Tancredo, apartamento número 36, centro. O nome do suspeito é... Marcelo Estevão de Souza.
Sandra fez as anotações, e disse para Daniel seguir com o plano. Ela pegou o telefone e ligou para alguém.
– Eu acho que nós encontramos o retalhador.
O Leitor de Mentes voltou para o seu apartamento e achou o telefone do seu velho amigo- assassino. Marcelo estava a caminho. A arapuca estava armada.
Péééin, tocou a campainha. Daniel foi atender, todo nervoso.
– Olá Marcelo, obrigado por ter vindo.
– Tudo bem cara, só não entendi o porquê de você me chamar no meio da noite. É muito importante? – perguntou Marcelo.
– Sim, muito. – respondeu Daniel – Entre primeiro.
Marcelo entrou desconfiado no apartamento.
– O que seria mais importante do que a minha noite de sono? – perguntou Marcelo, já meio alterado.
– Eu já sei de tudo, Marcelo. – falou Daniel, indo em direção à cozinha – Eu já sei quem é o retalhador.
– Ó, que ótimo. – exaltou Marcelo – Você me tirou de casa só por causa disso?
– O seu cinismo é incrível, meu amigo. – falou Daniel, com um olhar frio para o amigo – Eu sei de tudo, eu sei da verdade. Você é o retalhador. Você foi descoberto.
– Mas o que?
Bam! A porta se arrombara em um estrondo, a polícia estava entrando no apartamento.
– Parados! – gritou um dos policiais.
– Ele é o assassino. – disse Daniel, apontando para Marcelo.
Mas os policiais pareceram não dar ouvidos à ele. Deixaram o Marcelo livre, e estavam prendendo o cara errado. Daniel sem entender nada, apagou novamente, acordando agora na delegacia.
– O que vocês fizeram?!? Por que não prenderam o retalhador? – gritou Daniel, sentado e algemado na cadeira da delegacia.
– Nós prendemos, Daniel. – disse Sandra.
– Como? O que você está querendo insinuar? – perguntou Daniel, confuso.
– Que você é o assassino. – respondeu a delegada, lendo um papel que parecia ser um laudo médico. – “Pequenas lesões cerebrais em partes do cérebro, podendo ocasionar perda de memória, alucinações e desmaios”. Essa ficha médica é sua, o Doutor Roberto deixou ela comigo assim que você recebeu alta. Ele temia que essas lesões te tirassem da realidade ou te fizessem cometer delitos, e me pediu para ficar em alerta.
– Não... não! Eu li a sua mente, você viu! Eu posso, eu tenho poderes! Eu sou um herói, e não um vilão!
– “Muito violento se contrariado. Concordar sempre com suas alucinações” – Sandra continuou a ler a ficha – Quando você entrou aqui, eu temia que você fosse o retalhador. Talvez você nem fique preso aqui, e seja mandado direto para a lobotomia.
– Lobotomia? Não... eu não sou louco... EU NÃO SOU UM ASSASSINO!
– Então veja você mesmo. Tire a prótese que cobre o seu braço mecânico, e veja você mesmo.
Daniel não acreditou no que viu. Sangue, vísceras, restos mortais, todos atrofiados em seu braço mecânico. Sua mão metálica estava mais afiada do que nunca, e toda escura de sangue. O braço que desfigurava, matava, retalhava. O braço que se vingava de um acidente. O braço que entregava o Retalhador.

Um comentário:

  1. adorei o conto *-*
    adoro história que tem final inesperado, bem legal *-*
    Gih~

    ResponderExcluir