sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A Maldição de Vanako.


  Já passava da meia noite, e a minha esposa já tinha ido dormir. Não consegui terminar a minha leitura na sala, então pensei que fosse melhor eu já ir me deitar também. Guardei o livro em seu devido lugar, chequei a porta da sala para saber se ela estava trancada e em seguida apaguei as luzes. Percebi então que ainda havia uma luz acesa no corredor, escapando pela porta entreaberta. Fui então averiguar o porquê da luz do quarto do meu filho estar acesa à uma hora dessas.
– Ei, filhão. – disse eu abrindo a porta e entrando devagar no quarto – Não era para você estar dormindo?
– Eu tô sem sono, pai. – disse ele, mudando sua postura na cama – Você pode me contar uma história?
– Uma história? – perguntei.
– Sim, daquelas de monstros! – respondeu ele, animado.
– Tem certeza? – perguntei enquanto sentava ao seu lado na cama. – Eu tenho uma bastante assustadora aqui, acho que iria tirar seu sono por muitas noites.
– Pai! Eu já tenho 10 anos, né? Não tenho mais medo dessas coisas. – vi ele fazendo força com os braços, querendo mostrar os músculos. – Já sou homem!
Dei uma breve risada, e então tomei fôlego.
– Bom, vou contar pra você a história de quando eu era mais novo e morava com o seu avô em um sítio no interior de São Paulo. Haviam muitas histórias sobre assombrações naquela época, chegavam a dizer frequentemente que até nossa família era amaldiçoada. Enfim, seu vô me colocava para dormir todas as noites quando eu tinha a sua idade, e ele sempre me pedia para repetir a seguinte frase:
“Estou à salvo de Vanako, eu aqui dentro e ele lá fora, até que se ponha a Aurora”.
Eu não sabia para que servia a frase, seu vô apenas dizia que era uma espécie de oração para afastar as coisas ruins, as energias negativas. E ele dizia isso com uma expressão extremamente séria, como se aquilo fosse mesmo de grande importância, de enorme urgência. Naquela época eu não entendia direito sobre isso, mas sempre repetia a mesma coisa antes de dormir. E isso foi se estendendo, mês após mês eu continuava a fazer a mesma oração. Um dia, porém, seu avô esquecera de me avisar sobre ela, e então eu adormeci em silêncio. Eu não orei porque não fui lembrado, eu só não orei porque eu estava curioso e queria saber o que iria me acontecer. E essa curiosidade quase me matou.

– Nossa, pai! – disse meu filho, puxando o lençol mais pra perto do seu queixo – E então, o que aconteceu?

– Ah, no começo do meu sono, nada. Mas, assim que se passaram alguns suspiros, eu senti a atmosfera do meu quarto mudar. O ar parecia estar mais pesado, meu coração começou a funcionar a todo vapor. O vento violentava a janela, e o jogo de sombras provocava umas tenebrosa imagem no meu quarto. Como se as paredes fossem a tela, e as sombras fossem pincéis amaldiçoados com as cores da morte. Eu queria sair da minha cama, mas eu não conseguia. Era como se eu estivesse sendo prensado contra o meu leito. Minha visão foi ficando turva, o meu quarto começou a se retorcer. Um sussurro ardiloso roçava em meus ouvidos. Tentei fechar os olhos, mas estes se recusavam à atender o meu comando. A pior parte foi quando a minha cama começou a tremer inesperadamente, e o quarto se retorcia cada vez mais, o que fazia eu ver imagens estranhas nas paredes. Gritos começavam a se misturar com aquela voz que eu ouvira antes, e tudo isso não queria sair da minha cabeça. Eu não conseguia pedir ajuda, minha voz não funcionava. De repente, tudo parou. As vozes, os gritos, o quarto retorcido, tudo. Fechei meus olhos aliviados, agradecendo por aquele pesadelo ter acabado. Foi então que eu senti um abraço gelado apertando cada um dos meus ossos. Abri meus olhos e me deparei com uma figura horrenda, de aparência cadavérica, uma pele vermelha cor de sangue e olhos negros que pareciam saltar fora de suas órbitas, mas que ainda assim insistiam em me encarar. Paralisei de medo, novamente. A criatura parou de me abraçar, mas logo em seguida me pegou pela perna esquerda e tentou me arrastar. Então, devido a adrenalina (ou até mesmo instinto), recuperei meus movimentos e me agarrei à cama. Mas, mesmo a coisa sendo forte, aquilo não conseguia me arrastar junto com a cama. Ao ver que eu estava resistindo, o bicho lançou um grito ensurdecedor que fez com que eu me soltasse de lá e cobrisse meus ouvidos. Por sorte, tal grito também foi forte o bastante para acordar o seu avô, que veio correndo pelo corredor e entrou com tudo no meu quarto, e com as mãos protegendo os ouvidos, ele se pôs a gritar:
“ESTOU À SALVO DE VANAKO, EU AQUI DENTRO E ELE LÁ FORA, ATÉ QUE SE PONHA A AURORA ”
O demônio então gritou mais ainda, se contorceu e, em seguida, fugiu pela janela do quarto. Seu avô veio me perguntando se eu estava bem, e fez eu jurar que eu nunca mais ia deixar de fazer a oração de novo.

– Nossa... – suspirou meu filho, com uma cara muito assustada. – Essa história foi realmente demais!
– Sim, sim. – disse eu, me levantando da cama. – Agora é hora do senhor dormir, certo?
– Ah.... tudo bem. – disse ele, meio emburrado.
Fui em direção ao interruptor, mas antes de apagar a luz olhei pela janela.
– Pai? – chamou meu filho.
– Oi....
– Por que você tá com essa cara assustada?
– Filho... – sussurrei. – Eu preciso que você me prometa uma coisa.
– O que foi, pai? – perguntou ele, vindo em minha direção.
– Quero que você prometa que, a partir de agora, repita sempre antes de dormir: “Estou à salvo de Vanako, eu aqui dentro e ele lá fora, até que se ponha a Aurora”.
Meu filho então, assustado e sem entender direito, olhou pela janela, e aquele velho par de olhos negros não parava de nos observar.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O Paraíso.

Eu e alguns amigos escritores aqui da minha cidade combinamos de fazer um mini-projeto (contos baseados em músicas, só para passar o tempo). Cada um escolheu uma música e fez com que a letra dessa música fosse base para o roteiro do conto.
Eis a música no qual meu conto é baseado e, logo abaixo dela, o conto: