sábado, 12 de março de 2011

Conto: As Páginas Sangrentas de um Amor Doentio.

Trago hoje um conto bem doentio à vocês (como o próprio título sugere). Espero que gostem!


Fábio Altaires
era um ótimo escritor de romances, embora fosse parcialmente desconhecido. Sua incrível habilidade de criar personagens com suas personalidades únicas impressionavam seus poucos – porém fiéis – leitores. Fábio tinha uma certa obsessão por suas obras, e o que mais chamava a atenção era a sua espécie de ciúmes doentio por uma personagem do seu romance denominado Lábios Sangrentos. O nome dela? Melissa Dolph.
Melissa esbanjava sensualidade em cada passo, seus olhos penetravam a alma até dos corações mais amargurados. Seus cabelos ruivos cortados até os ombros enlouqueciam qualquer um que acompanhasse sua trajetória no livro. Fábio criara um monstro. O monstro mais belo de todos. E o pior de tudo: ele se apaixonou perdidamente por esse monstro.
Antes era só uma parte de fúria que corroía as veias do escritor, quando ele ouvia seus leitores falarem bem de Melissa. Fábio quis consultar um psicólogo para ver se conseguia se livrar desse estranho sentimento. Quando o psicólogo pediu para Fábio descrever Melissa, o doutor soltou um simples “Interessante”. O escritor quase o agrediu, e acabou sendo expulso do consultório. O ciúmes ia crescendo, aquele sentimento anormal ia tomando conta de Fábio e quando ele menos percebeu, estava perdidamente apaixonado, preso em um romance fictício.
O escritor estranhamente apaixonado precisava de férias, férias de Melissa, férias de seus livros. Então ele partiu com o seu filho Renato rumo ao lugar onde ele mais se sentia bem, mas nunca mais teve tempo de ir. O velho chalé nas montanhas trazia lembranças de uma velha amada, que infelizmente não estava mais presente entre os vivos. Incomodado com o silêncio do filho durante a viagem, Fábio se voltou ao assento do passageiro, e se assustou.
– Filho! Você está lendo o meu livro? – perguntou Fábio, sem desviar muito os olhos da estrada.
Renato terminou de ler um parágrafo, e logo respondeu o pai:
– Sim, pai! Eu peguei aquele tal de Lábios Sangrentos no meio das suas coisas, parecia ser legal.
– Eu queria férias dos livros Renato, eu te falei isso antes de sairmos de casa. – disse Fábio, já em tom elevado.
– Ah, qual é pai? É só um livro! – resmungou Renato. – E além do mais, já estou quase terminando de ler.
Fábio segurou o volante com força, e seguiu o resto da viagem em silêncio. As árvores se transformavam em vultos tortuosos do lado de fora do carro, enquanto as montanhas ficavam cada vez mais próximas da vista. Em poucas horas, a família Altaires já havia chegado no chalé.
– Então é aqui que você e a mamãe costumavam passar as férias? – perguntou Renato, adentrando no chalé.
– Era sim, eu e sua mãe sempre vínhamos aqui quando estávamos de férias ou quando nós estávamos brigando muito, sabe? Esse lugar é bom, é relaxante. É... mágico.
– Ok, Merlin – caçoou Renato – Veremos se o sofá é tão mágico quanto o chalé, porque ler aquele seu livro me cansou.
– Livros de romance são inúteis na sua idade, filho. – disse Fábio, acendendo a lareira do chalé – Aposto que você achou o livro um porre.
Renato se sentou no sofá, relaxando por alguns segundos.
– Muito pelo contrário, pai, eu gostei muito do livro! Principalmente a... – Renato olhou em direção a mesa, e algo lhe chamou tanta atenção a ponto de lhe interromper.
Fábio já estourou, e aquele sentimento veio à tona novamente.
– A Melissa. – completou Fábio, se dirigindo em direção ao filho – Você ia falar dela, não ia?
O filho então desviou os olhos da direção mesa, e encarou o seu pai, com um olhar apavorado.
– C-c-calma pai! Eu gostei mesmo do livro, eu juro! A Melissa tem uma personalidade muito forte, seus pensamentos são tão sensatos, a sua beleza é tão real..
– Cale a boca!!! – gritou Fábio, se descontrolando e desferindo um golpe contra o rosto de seu filho – Ela é a MINHA Melissa!
O filho do escritor caiu do sofá, e cuspiu sangue no carpete do chalé. Fábio pegou o seu livro em cima do sofá e usou-o para golpear o filho incansavelmente. A cada pancada, uma página ensanguentada saia do livro e se espalhava pelo carpete ainda mais ensanguentado. Renato, usando os poucos esforços que lhe restavam, levantou o braço em direção a mesa. O pai olhou para a direção apontada e se levantou, parecendo ser misericordioso.
– Ah, a sua mãe... era tão bela, tão meiga. Eu a amava tanto quanto amo agora a Melissa... mas ela se foi, assim como você também se vai, meu filho. Dê um último adeus à sua mamãe.
Fábio pegou o porta-retrato de cima da mesa e o arremessou em direção ao filho, partindo-o inteiro e fazendo a foto daquela que um dia fora sua mulher, voar para perto da lareira. Renato olhou para a foto da sua mãe, e começou a chorar. Fábio não foi tão misericordioso como parecia, e continuou a bater no filho com o livro, até a morte chegar.
O escritor doentio sentou-se no sofá e abraçou o seu livro. Começou a se lamentar pela morte do filho.
– Foi difícil meu amor, eu sei disso. Eu não queria matá-lo, mas ele estava atrapalhando a gente. Eu sei, eu sei que você sente muito, mas não se preocupe Melissa... agora nós podemos ficar juntos, agora ninguém irá nos atrapalhar...
Enquanto Fábio deitava no sofá abraçado com o livro e suas páginas sangrentas, uma brisa sorrateira entrava pela janela, arrastando um retrato às chamas. Uma bela mulher com um olhar penetrante sumia perante as brasas. Seus cabelos ruivos se fundiam ao fogo. Sua bela face se distorcia. A bela mulher do retrato se transformava em um monstro. O monstro mais belo de todos.

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