quinta-feira, 21 de julho de 2011

Conto: O Sabor Amargo do Amor

Mais um conto escrito originalmente para o Escribas (eu já falei para vocês visitarem lá, né? Então, visitem de novo.)
Fiquem agora com a bela história de Natália e Pablo. Ou não tão bela assim.

  Amor. Há quem dúvida que ele exista, há quem procura provas para acreditar e há aqueles que simplesmente amam incondicionalmente. Junto do amor, vêm também as promessas, as juras, as carícias, o êxtase. As vezes nós referimos ao amor com uma chama, um fogo. O fogo aquece, e precisa se manter vivo para continuar aquecendo, ele precisa ser alimentado: mas nada garante que algum dia esse fogo se enfureça e devaste tudo o que um dia ele aqueceu.
  Pablo era um jovem-adulto careta e sonhador. Nunca usara drogas, nunca havia inalado fumaça alguma se não a de seu inalador: ficava doente com muita facilidade. Era romântico, planejava um único romance para o resto da vida. Ele pensava que nunca iria conseguir mulher alguma usando aquele cabelo mal repartido e aquelas jeans surradas; por sorte, ele estava errado.
Natália teve muitas decepções amorosas, sendo a mais recente com seu ex-namorado motoqueiro. Pegar o amor da sua vida transando com a sua irmã não é uma coisa muito agradável. Ela o amava, de verdade. Ele também dizia que amava-a. Bem, ele mentiu. Decepções a parte, Natália sempre guardava suas mágoas por debaixo do sobretudo negro; era melhor que tudo ficasse guardado ali. A menina de cabelo roxo chamava bastante atenção quando desfilava pelas ruas, muitas mulheres mais reservadas repugnavam tal visual e ofendiam Natália. Sua língua afiadíssima e sua inteligência deixavam as madames arrependidas de algum dia terem feito alguma crítica ao seu cabelo.
Pablo e Natália. Natália e Pablo. Seja por obra do acaso, seja por obra do destino, os dois estavam no mesmo bar, naquela mesma noite. O bar Sóbrios e Sombrios tentava fazer jus ao seu nome: ambiente escuro e com poucas luzes; sombras bem elaboradas nas mesas de sinuca; muita gente bêbada vomitando no banheiro (e uma fila enorme esperando sua vez para vomitar também); Pablo não tinha ideia do que fazia ali:
– Aqui tem fliperama?
Natália tinha toda a certeza do mundo:
– Hoje eu quero encher a cara.
Pablo achou um fliperama escondido em um canto escuro do barzinho, e então foi no balcão pedir uma ficha.
– Ei cara, quanto é a ficha daquele fliperama? Me vê umas duas! – pediu ao
barman.
Aquela porcaria é tão velha que nem funciona mais, filho. Se eu fosse você, comprava uma pinga ao invés disso. – disse o barman, já preparando a dose.
– Concordo com o moço – se intrometeu Natália, já não muito sóbria. – Uma ficha não substitui a magnitude de uma pinga bem tomada!
O moço do cabelo mal repartido riu e enfim, aceitou tomar aquela dose. Se apresentou para Natália, e a moça retribuiu a apresentação. Horas e horas de conversas, altas doses e muitos risos. Ou a visão de Pablo que estava muito ruim, ou as pessoas realmente tinham desaparecido do bar. Pensou que tinha que ir embora também, mas Natália o lembrou de que era um bar 24 horas. Pararam de beber. Natália lançou um sorriso malicioso e com um pouco de dificuldade, se levantou e cochichou algo no ouvido de Pablo; ele ficou meio atônito, pensativo, mas logo os dois estavam indo em direção do fliperama, de mãos dadas e cambaleando.
– Você já fez isso antes? – indagou Natália, enquanto abaixava as calças.
– Na-na-não... mas já vi em filmes, não deve ser muito diferente, né? – respondeu Pablo nervoso, lutando para tirar seu cinto.
Natália soltou um riso abafado, mas não riu mais com medo de vomitar. Pablo havia acabado de assinar seu atestado de virgindade.
…...

Dias, meses e anos se passaram; Pablo e Natália continuavam juntos. Como eles podiam ser tão diferentes, mas tão iguais? De onde vinha aquele amor forte e arrebatador que os prendiam naquele romance por tanto tempo? Nenhum dos dois sabia de onde vinha aquele fogo; mas eles gostavam. E muito.
– Ei Naty, eu tava aqui pensando... – disse Pablo.
– Pensando em quê, amor? – perguntou Natália, parando de lixar suas unhas.
– Eu não conseguiria viver sem você, sério mesmo. – respondeu.
Você sabe que eu também não viveria sem você, e que eu não gosto falar nisso. E você sabe que só tem uma coisa que pode separar a gente, não sabe? Então. – falou Natália, com a voz levemente tristonha
– Eu sei amor, eu sei. A morte seria a única e exclusiva culpada. – afirmou Pablo. – Eu quero lhe fazer uma proposta.
– Uma proposta? Que tipo de proposta? – disse Natália, levantando uma de suas sobrancelhas.
– Não é bem uma proposta, é mais uma promessa. Um juramento. – Pablo respirou fundo. – Quero que você prometa que, se algum de nós dois morrer, o outro tem que morrer junto.
O silêncio atacou brutalmente a sala. Só se ouvia a respiração ofegante de Natália. Só se via o olhar de apreensão de Pablo. Natália então deu sinal de vida:
– Mas amor...
– Você acha que não seria capaz de se matar caso eu morresse primeiro? Ou você não quer mesmo aceitar a minha proposta? – questionou Pablo.
– Não é isso, é que... nossa, eu não esperava por uma coisa dessas. Desde quando você já vinha pensando nisso?
– Desde quando eu comprei isso:
Pablo tirou do bolso dois fracos de algo que aparentava ser veneno. Escrito com uma caneta hidrográfica, havia o nome de cada um nos frascos.
– Esse eu bebo caso você morra. – Ergueu o frasco contendo o seu nome. – Esse você bebe caso eu morra. – E estendeu o braço para que sua amada pegasse o frasco com o nome Natália.
Natália relutou em pegar; ficou indecisa. Mas, eles já haviam feito tantas promessas, eles se amavam tanto...
– Espero que nenhum de nós dois tenhamos que tomar isso, senhor Pablo. – disse Natália, dando um leve sorriso e pegando o frasco.
– Ah é, senhorita? E como você espera que nenhum de nós deixe de tomar o veneno? Vamos viver para sempre? – caçoou Pablo.
– Não, mas vamos viver juntos até a velhice, e vamos morrer dormindo, abraçadinhos. – Falou Natália, segurando a mão de Pablo.
Os dois se beijaram e logo partiram para os amassos. Não demorou muito até que os dois estivessem fazendo sexo ali mesmo, em cima do sofá. Pablo sentiu mais uma vez aqueles lábios quentes, aquela pele de Natália que se arrepiava toda ao sentir sussurros em seu ouvido. Ele parou e deitou a cabeça nos seios da mulher de cabelo roxo, só para ouvir seu coração bater. Aquela foi uma longa batida e também uma longa noite.
5 meses se passaram e Pablo havia arrumado um novo emprego: uma amiga de Natália que indicou. O rapaz se arrumou para mais um dia de trabalho, mas justo naquela sexta-feira ele estava atrasado. Justo naquela sexta.
– Pablo, eu preciso conversar sério com você... – falou Natália, sonolenta e se arrumando na camisola.
– Amor, agora não dá tempo, eu tô atrasado pro serviço! Hoje eu entro cedo e saio tarde, se esqueceu? Depois você me fala! – disse Pablo as pressas; beijou a amada e seguiu rumo ao trabalho.
Trânsito caótico. Atraso. Sexta-feira de merda.
Estacionado o carro, Pablo subiu para a sua sala e é claro, teve que dar satisfações ao chefe. Por sorte, hoje ele estava de bom humor e nada de ruim aconteceu. Até agora.
Sandra, a amiga de Natália que havia indicado o emprego para Pablo, saiu de sua sala e foi conversar com ele.
– Chegou atrasado, Pablito? – disse Sandra, com uma mão apoiada nas costas de Pablo.
– Sim, nossa, o maldito relógio não despertou! – respondeu Pablo, exaltado.
– Bem, só vim te dar os parabéns! – avisou a moça.
– Parabéns? Pelo o quê? – perguntou Pablo, confuso.
– Ué, a Natália não te contou? Ela está grávida, parabéns papai!
O mundo de Pablo parou. Um filho era uma das coisas que ele sempre quis. Um filho com a Natália era algo simplesmente incrível.

– Meu Deus! Então era isso que ela queria me contar!? – Pablo se levantou imediatamente da sua cadeira e desceu correndo para o estacionamento. – Eu tenho que ver ela!
Ele não se importou com o chefe gritando. Ele não se importou em perder o emprego. Ele apenas seguiu suas emoções.
– O que você falou pra ele, Sandra? Porra, eu precisava dele aqui! – gritou o chefe, estressado.
– Eu só disse parte da verdade. O resto ele descobre quando chegar em casa.
Dessa vez não havia muito trânsito, ou Pablo que não havia prestado atenção; estava muito eufórico. Ao chegar em casa, percebeu a presença de uma possível visita. Uma moto estacionada? De quem? A pergunta estava bem atrás da porta da casa de Pablo. Então ele abriu-a.
– Mas o que....
Seus olhos não acreditavam no que estava vendo. O amor da sua vida bem ali, na sua frente, transando com o antigo ex-namorado. A familiar frase ecoou pelos cômodos:
– Eu posso explicar!
A raiva ardeu no coração de Pablo. Aquele fogo da paixão já não queimava para aquecer o coração apaixonado. Ele queimava para destruir. Pablo pegou o objeto mais afiado que encontrou na sua frente e pulou em cima do motoqueiro filho da puta, desferindo um golpe certeiro bem no meio da sua garganta. Esmurrava os seus dentes, empurrava ainda mais o objeto goela a baixo. Puxou-o para o peito e rasgou-o todo. Natália tentou fugir, mas foi segurada pelo braço. Levou uma pancada no meio da sua testa, ficou desnorteada e caiu.
– Eu te amei tanto, sua vadia.... como você pôde? Eu confiei em você! Puta merda, eu sempre confiei em você! Sabe por que eu não te mato agora? Por causa do nosso maldito filho! – Pablo desabou em lágrimas.
– Pa-Pablo... esse filho... esse filho não é nosso... – cochichou Natália, com sua pouca força.
Pablo mais uma vez, não acreditou. Teve um ataque de risos. Teve um ataque de fúria. Apunhalou Natália no peito, até não ter mais forças. Limpou as lágrimas e olhou para a estante. Pegou o frasco que continha seu nome, abriu e bebeu-o. Foi até o sofá, vasculhou o antigo sobretudo de Natália e bebeu o seu frasco também. Se sentiu mal. Tinha agora um sabor amargo na boca. Estava perdendo as forças, só conseguiu deitar sobre aquela que costumava ser sua amada. Não ouvia mais seu coração, seus lábios agora estavam frios como o gelo e não havia mais nenhuma reação ao sussurrar coisas no ouvido dela.
– Eu te amei demais, Natália, mais do que um dia eu achava que ia amar alguém. Mas ao menos, ainda estamos juntos, não é mesmo? Ou pelo menos vamos estar juntos daqui alguns minutos. Espero que lá não seja tão ruim assim....
A espuma descia pela boca de Pablo, sujando ainda mais o corpo de Natália. O fogo do amor ficou novamente descontrolado e acabou queimando muita coisa. O fogo do amor já havia se apagado, mas aquele sabor amargo iria continuar na boca de Pablo. Para sempre.

4 comentários:

  1. CARAAAAAAAALHO QUE FODA!
    Mano, parabéns pelo Blog. \o

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  2. AIGOD, QUISSO. Eu quase chorei com esse final, foi tão, tão foda. Adorei sua escrita, parabéns.
    =D

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  3. Guilherme:
    Valeu mesmo cara o/

    Ana Paula Coimbra:
    Muito obrigado! Gosto bastante de escrever e quando alguém elogia minha escrita ou meus contos eu fico realmente muito feliz. Aliás, me sinto honrado pelo meu conto ter te emocionado =')

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  4. AAAAAAAAE MARCOLA.
    Natália é um ótimo nome. :)
    To sempre por aqui e continuo achando uma das melhores depois de Sophia.

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